Para quem dedica a vida à docência, participar de formações continuadas vai muito além do que aprimorar técnicas de sala de aula. É uma jornada de crescimento profissional, que abre portas para novas oportunidades e consolida o reconhecimento no mundo da educação.
Imagine ter acesso a ferramentas digitais inovadoras e metodologias de ensino que nem sempre foram abordadas durante a graduação. Ou se preparar com mais segurança para concursos e processos seletivos, sentindo-se atualizado e confiante. Essas formações são justamente essa ponte entre o conhecimento acadêmico e as demandas reais da educação atual.
Mas os benefícios não param por aí. Ao participar desses cursos, professores constroem conexões valiosas com especialistas, colegas de profissão e até mesmo oportunidades em projetos colaborativos, publicações e eventos educacionais. Essa rede se expande, fortalecendo não apenas a trajetória profissional, mas também a troca de experiências que enriquecem a prática pedagógica.
Embora as secretarias de educação tenham expandido o acesso a conteúdos e oportunidades, ainda faltam evidências de impacto desses programas, segundo um novo estudo publicado pelo D3e (Dados para um Debate Democrático na Educação), organização sem fins lucrativos dedicada a aproximar o conhecimento técnico e científico dos tomadores de decisão em políticas educacionais.
O documento “Um debate em construção: em busca de evidências para a melhoria da formação continuada de professores”, elaborado por Gabriela Miranda Moriconi e Rodnei Pereira, da Fundação Carlos Chagas, propõe estratégias para apoiar redes de ensino no planejamento, avaliação e aprimoramento de ações de formação continuada, com base em evidências. A publicação se apoia em dois relatórios, ambos lançados em 2017, que identificam características de programas de formação considerados eficazes.
O primeiro, “Formação continuada de professores: contribuições da literatura baseada em evidências”, de Gabriela Miranda Moriconi e colaboradores, analisou revisões de estudos empíricos, majoritariamente dos Estados Unidos, sobre programas conduzidos por formadores externos ligados a universidades. O segundo, “Desenvolvimento profissional eficaz de professores” (Effective Teacher Professional Development), de Linda Darling-Hammond, Maria Hyler e Madelyn Gardner para o Learning Policy Institute, avaliou programas realizados em países como Austrália, Canadá e Reino Unido. Ambos os relatórios são apontados como referências fundamentais para orientar o desenho de formações com maior impacto na prática docente e na aprendizagem dos estudantes.
A seguir, destacamos as principais características de uma formação continuada de qualidade:
As formações eficazes concentram-se no conteúdo que os professores ensinam, ou seja, nos conteúdos previstos no currículo específico de sua atuação. Linda Darling-Hammond, Maria Hyler e Madelyn Gardner destacam que as formações devem ajudar os professores a aprimorar o conhecimento do conteúdo que é usado e necessário em suas aulas com seus estudantes. Já a pesquisa brasileira adiciona o foco no “conhecimento pedagógico do conteúdo”, que se refere à compreensão de como os conteúdos são estruturados e articulados e como os alunos os aprendem, para que os professores possam implementar estratégias de ensino mais adequadas.
Formações continuadas bem-sucedidas também envolvem os professores diretamente no planejamento e na implementação de estratégias de ensino. Elas oferecem oportunidades para que os docentes se envolvam em experiências de aprendizagem no mesmo estilo daquelas que eles elaborarão para seus estudantes. Não se baseiam apenas em palestras, mas em atividades interativas e contextualizadas. Os autores do estudo ressaltam que essa ênfase na prática não nega a importância do preparo teórico, mas tem a intenção de formar o professor para tomar decisões sobre como aplicar os conhecimentos adquiridos em sua prática, atendendo às necessidades dos alunos.
Darling-Hammond, Hyler e Gardner indicam que formações que contribuem para a aprendizagem profissional docente adotam modelos de práticas pedagógicas efetivas que ajudam os docentes a visualizar como as práticas se materializam. Os professores podem ter contato com esses modelos vivenciando-os, observando outros professores, analisando vídeos ou estudando casos de ensino. Gabriela Moriconi e colaboradores tratam a modelização como uma forma de engajar os professores na aprendizagem ativa. A modelização não é para reprodução, mas para reflexão crítica sobre o fazer pedagógico, permitindo ajustes conforme o contexto e a ampliação das possibilidades de desenvolvimento profissional.
Ambos os estudos identificaram que formações de alta qualidade oferecem oportunidades para que os professores interajam com formadores e com seus pares, trabalhando colaborativamente. A colaboração ajuda os professores a abordar problemas do trabalho, construindo uma compreensão comum de objetivos, métodos, problemas e soluções. Isso inclui o planejamento conjunto de atividades, observação de práticas com devolutivas e discussão coletiva.
No texto publicado pelo Learning Policy Institute, a oferta de mentoria especializada é identificada como um elemento positivo, envolvendo o compartilhamento de saberes e práticas baseadas em evidências. Esse apoio pressupõe a presença de um especialista ou professor mais experiente que oferece assistência e orientação específicas, adaptadas às necessidades e contextos do professor. Já o relatório feito pelos pesquisadores brasileiros aponta para iniciativas como mentorias e tutorias como uma modalidade de colaboração profissional.
As experiências bem-sucedidas de formação continuada não se limitam a eventos isolados (como palestras de curta duração), mas se estendem ao longo do tempo, centradas nas práticas situadas no contexto das escolas e salas de aula. Isso permite que os educadores revisitem e aprofundem suas práticas de ensino. O relatório da Fundação Carlos Chagas destacam que uma oficina isolada não é suficiente para promover mudanças profundas e sustentáveis. O caráter contínuo permite que outras características, como a aprendizagem ativa e o apoio especializado, se efetivem, incorporando ciclos de avaliação e adaptação.
Darling-Hammond, Hyler e Gardner apontam que o êxito das iniciativas é evidente quando incorporam devolutivas e oportunidades para a reflexão sobre as práticas pedagógicas. As devolutivas construtivas (feedbacks) ajudam os professores a identificar pontos fortes e a serem aprimorados, oferecendo uma visão externa sobre o impacto de suas práticas. As oportunidades de reflexão incentivam os educadores a questionarem suas decisões, explorarem novas metodologias e se adaptarem às necessidades dos alunos, promovendo uma cultura de inovação e criatividade.
Os pesquisadores brasileiros indicam que a coerência é uma característica presente em iniciativas bem-sucedidas. Embora não haja uma compreensão única, a coerência implica que os programas de formação continuada considerem e estejam alinhados com: políticas educacionais (formação inicial, currículo, avaliações, livro didático), o contexto e prioridades da escola, os conhecimentos e necessidades dos docentes, achados de pesquisas recentes e recomendações de associações profissionais. Darling-Hammond, Hyler e Gardner também afirmam que a formação deve ser alinhada com as prioridades da escola e da rede para oferecer coerência aos professores, em vez de competir com elas.
Saiba mais em: https://porvir.org/principais-caracteristicas-boa-formacao-continuada/