Expectativas equilibradas não são expectativas diminuídas; mas que consideram aquilo que não controlamos no processo de aprendizagem
Agosto marca o início de um novo semestre letivo, que traz consigo renovados desafios e, inevitavelmente, velhos problemas. Com a chegada de um novo grupo de estudantes, concretiza-se o compromisso de oferecer-lhes o melhor de nossas capacidades. Cada estudante que chega, carrega expectativas distintas sobre aquilo que busca e sobre o que efetivamente encontrará na universidade. Do nosso lado, também nós, nutrimos expectativas: de sermos e fazermos o melhor possível por eles. Também temos expectativas sobre quem são e como são, do que gostam e conseguirão progredir em suas escolhas.
Expectativas são parte de toda a vida. Praticamente tudo o que vivemos está permeado por expectativas. É impossível viver sem elas, pois constituem uma força motriz que nos impulsiona a agir, planejar, estabelecer conexões, sonhar e aguardar por algo que consideramos valioso. Na maioria das situações, nossas expectativas associam-se a perspectivas desejáveis e otimistas. Contudo, podem gerar frustração, raiva e decepção quando a realidade não corresponde aos nossos prognósticos. Quando bem calibradas, as expectativas orientam os esforços, sustentam a paciência e conferem sentido ao percurso.
Os jovens que agora recebemos nas salas de aula, cresceram imersos em um ambiente que responde com velocidade sem precedentes. Tudo chega rapidamente: a mensagem instantânea, o retorno das redes sociais, a comparação constante com os outros. O tempo presente ganhou um brilho irresistível, enquanto o futuro frequentemente parece um território distante demais para merecer investimento imediato. Eles foram condicionados a esperar retornos curtos e visíveis. Diante de um curso que se estende por anos, de projetos acadêmicos com idas e vindas, de resultados que dependem de processos imperfeitos e demorados, é natural que o desconforto se manifeste.
Neste sentido, a entrada para a universidade pode se configurar no primeiro grande confronto significativo da vida dos jovens. Entra para um período de dissonâncias que emergem do descompasso fundamental entre aquilo que esperam experimentar, e aquilo que a vida efetivamente pode oferecer. Eles terão que aprender a lidar com prazos extensos, períodos de reflexão, tentativas que não prosperam, correções que exigem recomeços completos, e encarar as próprias limitações às portas do mercado de trabalho. A frustração, nesse contexto, surgirá e não deve se constituir em fracasso. O caminho será sinuoso e é importante que seja. A frustração virá e eles precisam aprender a lidar construtivamente com ela. A frustração que se acumula sem processamento adequado pode evoluir para estados mais complexos de sofrimento psíquico.
Frustração é o primeiro sinal de que uma meta encontrou resistência. Quando somada a expectativas estreitas, ela aciona tentativas de controle, preocupação, checagens, e exigência de certezas, que aliviam por instante; mas alimentam o adiamento e esvaziam os objetivos. Nesse terreno, a ansiedade pode se instalar; sem progresso visível, o prazer diminui e o sentido do percurso se apaga. É assim, pelas bordas do cotidiano, que a frustração pode se converter em um estado ansioso e/ou depressivo.
Se as expectativas figuram de forma tão importante neste momento de formação dos jovens e na sua condição de encararem os desafios do mundo do trabalho, certamente a universidade possui papel ativo em sua reescrita. Tornar explícito o propósito de cada atividade acadêmica, a necessidade e esforço de estudo, os critérios de avaliação, os tempos reais de retorno e os marcos do percurso representam formas concretas de cuidado educacional. Facilitar artificialmente conteúdos, por exemplo, não contribui para que a energia intelectual se direcione ao que verdadeiramente importa: pensar criticamente, experimentar metodicamente e aprender a persistir com propósito.
Em ambientes de alta exigência acadêmica, o erro frequentemente é apresentado como sinal de inadequação pessoal. Contudo, para quem genuinamente aprende, ele representa evidência de que o sistema cognitivo está ajustando sua trajetória. Quando normalizamos a tentativa honesta, oferecemos exemplos comentados de trabalhos com diferentes níveis de qualidade e criamos espaços legitimados para rascunhos e revisões, ensinamos algo precioso: a excelência é processo evolutivo, não instantâneo. Este gesto pedagógico simples desloca a expectativa de perfeição idealizada para a expectativa de crescimento verificável. E isso, por si só, reduz significativamente os níveis de ansiedade.
Para nós, educadores e gestores, existe uma tarefa bastante desafiadora: revisar nossas próprias expectativas sobre os estudantes. Quantas vezes esperamos respostas imediatas, maturidade emocional já consolidada, e autonomia integral desde o primeiro mês de curso? Quantas vezes interpretamos como “falta de comprometimento” aquilo que é, na verdade, medo de começar ou insegurança natural diante do novo? Observar os estudantes através desta lente não rebaixa os padrões acadêmicos; apenas amplia nossa sensibilidade pedagógica. Simultaneamente, é legítimo e necessário esperar deles compromisso genuíno, presença efetiva e honestidade intelectual. Expectativas equilibradas não são expectativas diminuídas; são expectativas que consideram aquilo que não controlamos no processo de aprendizagem.
Uma lembrança me parece essencial neste início de agosto: a universidade não pode comercializar promessas de felicidade instantânea. Se formos capazes de comunicar isso com franqueza e espírito acolhedor, de modelar no cotidiano institucional a paciência que solicitamos aos estudantes, de desenhar atividades que respeitam o esforço e o dignificam, cumpriremos nosso papel de educadores: menos encantamento com atalhos ilusórios, maior compromisso com trajetórias consistentes.
O resultado não será apenas melhor desempenho acadêmico. Será, sobretudo, uma forma mais saudável de fazer diferença na vida dos estudantes. Sinalizar que a frustração não é inimiga a ser evitada, mas companheira inescapável do crescimento, talvez seja essa uma de nossas maiores missões, e podemos aproveitar este início de semestre para calibrar a bússola das nossas próprias expectativas. Não vamos blindar os jovens do sofrimento, mas vamos de fato, ensiná-los a atravessar o desconforto inevitável com maior repertório emocional, menos culpa desnecessária e um pouco mais de esperança fundamentada. Que venha um novo semestre, com novos cadernos e velhas inquietações renovadas. É sempre tempo para recordarmos dessa responsabilidade compartilhada.
Saiba mais em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/08/15/reeducar-expectativas-para-proteger-a-jornada-dos-estudantes/