Nos anos 1970 e 1980, os Estados Unidos viveram um episódio emblemático conhecido como a “revolta das calculadoras”. A introdução das calculadoras eletrônicas nas salas de aula gerou pânico entre professores e famílias, que temiam o fim do raciocínio lógico e da autonomia intelectual dos estudantes. As máquinas, vistas como intrusas, foram por algum tempo proibidas em várias escolas. A crítica era clara: se os alunos passassem a depender delas, deixariam de aprender a pensar. Décadas depois, com a devida distância histórica, percebemos que aquele medo expressava não apenas uma resistência tecnológica, mas uma crise de sentido educacional. O que estava em jogo não era a calculadora em si, mas o papel do educador diante de uma ferramenta que prometia automatizar parte do processo cognitivo.
Com o tempo, o debate amadureceu. Estudos, experiências pedagógicas e diretrizes oficiais, como as do National Council of Teachers of Mathematics, reconheceram que a calculadora não era uma ameaça, mas uma aliada. Ela liberava o estudante do esforço mecânico do cálculo e o convidava a concentrar-se na resolução de problemas, na modelagem de situações e na compreensão conceitual. Quando mediada por intencionalidade pedagógica, a tecnologia deixou de ser um risco e se tornou oportunidade. A lição foi nítida: não se trata de impedir a chegada das inovações, mas de educar para seu uso responsável e criativo.
Hoje, meio século depois, vivemos uma nova versão dessa mesma história. A inteligência artificial ocupa o centro das atenções e desperta sentimentos parecidos: entusiasmo, desconfiança e medo. Muitos se perguntam se os estudantes deixarão de pensar, se os trabalhos escolares perderão autenticidade ou se o professor será substituído. Trata-se, mais uma vez, de um momento de transição civilizatória, no qual precisamos decidir não apenas o que a tecnologia pode fazer, mas o que devemos permitir que ela faça. Assim como a calculadora ampliou a capacidade de cálculo, a IA amplia a capacidade de produzir textos, imagens e decisões. Mas nenhuma dessas funções substitui o ato humano de atribuir sentido, refletir criticamente e agir com consciência ética.
Nesse cenário, o papel do educador se transforma, mas não desaparece. O professor torna-se curador de informações, designer de experiências formativas e mediador ético das interações entre o estudante e o mundo digital. Sua missão não é competir com a máquina, mas ensinar o aluno a pensar com e sobre ela, a compreender seus limites, reconhecer seus vieses e usá-la de forma criativa e responsável. Enquanto a IA é capaz de gerar respostas, o professor continua sendo aquele que inspira perguntas, e é justamente aí que reside o núcleo insubstituível da docência.
A tentação de proibir a IA nas escolas e universidades repete o equívoco do passado. O desafio não é impedir o avanço tecnológico, mas garantir que ele ocorra com propósito humano. As instituições educacionais têm um papel fundamental nesse processo, podendo liderar programas de formação docente em cultura digital, fomentando currículos que unam ética, técnica e criatividade e criando políticas de regulação inteligente que assegurem a centralidade da mediação humana.
A “revolta das calculadoras” terminou quando percebemos que o essencial não era realizar contas, mas pensar matematicamente. A revolução da inteligência artificial será superada quando entendermos que o essencial não é produzir respostas automáticas, mas pensar criticamente sobre o que elas significam. O que está em jogo, mais uma vez, é a natureza do ato de educar, um ato de esperança, de confiança na capacidade humana de aprender, criar e transformar.
A história mostra que as tecnologias mudam, mas a essência da educação permanece. O professor, ontem como hoje, é o guardião desse sentido. Nenhuma máquina pode substituí-lo, porque nenhuma inteligência, por mais avançada que seja, é capaz de ensinar o que significa ser humano.