A crença de que especialização técnica garante empregabilidade não corresponde exatamente à verdade
Os dados mais recentes da OCDE sobre educação mostram que o Brasil continua com desafios enormes referentes à formação de mão de obra qualificada para a economia global, especialmente no ambiente de trabalho alavancado pela IA. Essas deficiências não determinarão somente destinos individuais, mas, também, o nível de competitividade nacional.
O paradoxo brasileiro se revela no relatório Education at a Glance (OCDE, 2025). Por um lado, o Brasil atingiu um nível de diplomados na universidade bem mais elevado do que no passado, com cerca de 1/4 da população entre 25 e 34 anos portadora de diploma. Por outro, esses egressos apresentam deficiências preocupantes em competências fundamentais como literacia e numeracia.
Além disso, somente cerca de metade dos ingressantes se formam em até três anos após o prazo teórico dos seus programas, a terceira pior taxa de conclusão entre os países analisados pela organização.
Para piorar, se há hoje dez milhões de estudantes no ensino superior, considerando presencial e EAD, existe um contingente igualmente volumoso (24% da população entre 18 e 24 anos, dez milhões de jovens) que nem trabalha nem estuda, a categoria internacionalmente conhecida por NEET.
O paradoxo se completa com o quadro salarial dos egressos. O relatório mostra que, no Brasil, trabalhadores com ensino superior completo conquistam salários quase 2,5 vezes maiores (148%) do que aqueles apenas com ensino médio. Para ter uma ideia da magnitude dessa diferença, a média entre cerca de 50 países que participam do Education at a Glance é de 54%. Uma interpretação possível dessa disparidade é que a busca por pessoas formadas, no Brasil, é comparativamente maior do que a oferta. Ou seja, o sistema não oferece egressos em quantidade suficiente. Apesar disso, metade dos egressos acaba por desistir de seus cursos. E, entre os que prosseguem, o desenvolvimento de competências é insuficiente.
Em um artigo recente que despertou interesse de especialistas em relações de trabalho, um grupo de pesquisadores liderado por Moh Hosseinioun, da Universidade de Northwestern (Hosseinioun et al., 2025, Nature Human Behavior), analisou (e demonstrou) o valor do que chamaram de natureza hierárquica das competências profissionais.
Com um banco de dados de mais de mil ocupações reconhecidas pelo governo estadunidense (semelhante à nossa RAIS) e 70 milhões de movimentações de emprego, eles conseguiram demonstrar que as competências humanas funcionam como uma pirâmide: habilidades gerais – comunicação, pensamento crítico, matemática, por exemplo – servem como alicerce para competências específicas, que são mais bem valoradas no mercado de trabalho.
A pessoa não é contratada somente por falar um bom português; ela é contratada por conseguir se comunicar bem em público. E ganha bem por essa competência específica. Mas, sem o bom português, ela não conseguiria falar bem em público. De acordo com o estudo, profissionais que dominam essa estrutura hierárquica ganham salários até 83% superiores e têm menor risco com a automação.
Por outro lado, a crença de que especialização técnica garante empregabilidade não corresponde exatamente à verdade, principalmente pela oscilação no interesse por determinadas competências técnicas. O mesmo grupo de pesquisadores, em um artigo publicado na Harvard Business Review (Hosseinioun et al., 2025, Harvard Business Review), alertam para o fato de que “a meia-vida das competências técnicas caiu de cerca de dez anos, na década de 1980, para quatro anos hoje, podendo cair para menos de dois anos no futuro próximo”.
A situação não seria tão preocupante se as pessoas melhorassem em suas capacitações de base, mas não é isso o que mostra um estudo publicado no Education at a Glance, o Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC), ou Programa Internacional de Avaliação de Competências de Adultos. No capítulo dedicado ao PIAAC, alguns pontos chamam a atenção.
Em primeiro lugar, houve um declínio generalizado na proficiência em literacia e numeracia entre 2012 e 2023, com maior impacto sobre os adultos que não têm nem ensino médio.
O declínio nos escores médios esconde variações importantes que lançam outros alertas. Por exemplo, o percentual de adultos que não conseguem entender um texto longo é elevado em todas as categorias e atingimento educacional: 61% entre quem não tem ensino médio, 30% entre quem tem ensino médio, mas não tem ensino superior, e 13% entre quem tem ensino superior.
O exercício permanente dessas competências gerais também tem consequências sobre como a pessoa faz escolhas no seu cotidiano. Em particular, a frequência de leitura indica a disposição da pessoa de participar de treinamentos continuados e cursos de requalificação. Pessoas que leem mais no dia a dia fazem mais para se desenvolver como profissionais.
Quais são as principais expectativas de quem ingressa no ensino superior e como essas expectativas se transformam com a trajetória rumo à conquista do diploma? Uma pesquisa publicada pelo Instituto Semesp e pela Workalove (2023) demonstra que a principal expectativa diz respeito à conquista profissional: trabalho, emprego. Por outro lado, o principal receio é não conseguir emprego na área de formação.
Nesse sentido, os entrevistados deixaram claro que gostariam que suas instituições fossem cada vez mais integradas ao mercado de trabalho. Aspectos que eles valorizam muito, como aulas práticas e contato com o mercado de trabalho, são, ao mesmo tempo, aqueles de que eles mais sentem falta.
Esse contato direto com a prática, conectando com o relatório da OCDE e com os artigos sobre competências, é que permitirá transformar competências de base, mais genéricas, em competências específicas aninhadas que têm valor superior no mercado de trabalho. Portanto, esse contato direto com a prática faz parte integral da missão do ensino superior.
No entanto, esse apoio ainda está longe de ser generalizado. De acordo com a pesquisa de empregabilidade de 2024 da ABMES/Symplicity, de 4.195 respondentes, 2.282 (54%) classificaram o apoio que receberam de suas instituições para se colocar no mercado de trabalho como pouco ou inexistente.
A mensagem final é clara: é preciso ir além do diploma. O ensino superior continua sendo uma potente alavanca de melhoria social, porém o valor das competências desenvolvidas só se comprova por meio da lapidação da competência mais geral em competência específica. Isso só ocorre com apoio da instituição. Em resumo, o sucesso do egresso no mercado não é apenas uma questão individual – cada vez mais se trata de um indicador do compromisso da instituição com sua qualidade e relevância social.
ABMES, Symplicity. (2024). 3a Edição da Pesquisa de Empregabilidade da ABMES e Symplicity.
Hosseinioun, M., Neffke, F., Zhang, L., & Youn, H. (2025). Skill dependencies uncover nested human capital. Nature Human Behaviour, 9, 673–687. https://doi.org/10.1038/s41562-024-02093-2
Hosseinioun, M., Neffke, F., Youn, H., & Zhang, L. T. (2025, August 26). Soft skills matter now more than ever, according to new research. Harvard Business Review. https://hbr.org
Instituto Semesp, Workalove (2023). Os sentimentos dos estudantes em cada etapa da jornada acadêmica. Pesquisa II da série “O que os alunos realmente pensam sobre o Ensino Superior?”. https://www.semesp.org.br/pesquisas/pesquisa-ii-o-que-leva-o-aluno-a-ingressar-no-ensino-superior/
Organisation for Economic Co-operation and Development. (2025). Education at a glance 2025: OECD indicators. OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/1c0d9c79-en
Organisation for Economic Co-operation and Development. (2025). Brazil – Education at a glance 2025: Country note. OECD Publishing.
Saiba mais em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/10/10/empregabilidade-as-competencias-esquecidas/