IES devem ter fluxo de caixa como ativo estratégico

É essencial que os CEOs, mantenedores e conselhos compreendam que não há estratégia viável sem um caixa saudável

Em um ambiente de negócios cada vez mais complexo e competitivo, onde as instituições de ensino superior enfrentam desafios estruturais e conjunturais simultaneamente, um elemento fundamental, muitas vezes não tem sua importância estratégica colocada em primeiro plano: a gestão estratégica do fluxo de caixa.

É comum, especialmente em discussão de conselhos e destaques em relatórios, que o EBITDA seja tratado como o grande indicador de desempenho. De fato, ele é muito relevante e nos traz muitas respostas: reflete a eficiência operacional, permite comparações setoriais e subsidia decisões estratégicas. Entretanto, há uma perigosa supervalorização do EBITDA em detrimento da gestão do caixa, que pode comprometer a sustentabilidade das instituições.

Um EBITDA positivo não garante a solvência de um negócio. Por si só, não paga folha, não honra fornecedores e tampouco financia expansão. Quem faz isso é o caixa. Não ter a clareza e a compreensão dessa diferença, tem levado muitas IES a uma miopia financeira, onde o foco concentra-se em relatórios que impressionam e trazem respostas, porém, podem apresentar limitações no que tange à sustentação da operação e o crescimento.

Tal risco se amplifica no atual cenário educacional brasileiro, uma vez que múltiplos vetores de pressão atuam simultaneamente. Nessa linha, pode-se destacar que:

  • A concorrência se intensificou, seja pela ampliação do ensino digital, seja pela entrada de novos players, pressionando margens e reduzindo o ticket médio.
  • A demanda por cursos superiores apresenta estagnação e em alguns momentos retração, impulsionadas pela queda estrutural na taxa de natalidade, pelo envelhecimento populacional e pela mudança no perfil de consumo educacional.
  • O endividamento das instituições aumentou significativamente nos últimos anos, resultado de estratégias de expansão, modernização de infraestrutura e transformação digital, além de em alguns casos, a própria ineficiência operacional e de gestão.
  • O cenário macroeconômico brasileiro segue adverso: taxas de juros elevadas, que encarecem o custo da dívida; inflação resistente, que corrói margens e compromete o poder de compra das famílias; e uma taxa de desemprego ainda preocupante, combinada a um crescimento econômico modesto.

Esse ambiente cria uma tempestade perfeita: margens pressionadas, receitas menos previsíveis, custos fixos elevados e passivos financeiros onerosos. É o típico contexto, no qual gestão do fluxo de caixa deixa de ser uma função operacional e passa a ser uma alavanca estratégica de sobrevivência, competitividade e geração de valor.

Relevante destacar também que a natureza do fluxo de receita das IES agrava esse desafio. O modelo de negócio é caracterizado, ainda que com esforço de mudança, por sazonalidade, onde há picos de ingresso no início dos períodos letivos, enquanto os custos são contínuos e inflexíveis: folha de pagamento, pressões sindicais, encargos, manutenção, investimentos em tecnologia, marketing, infraestrutura, inovações acadêmicas etc. A inadimplência e a evasão, tradicionalmente elevadas no setor, afetam diretamente o ciclo financeiro, gerando tensões adicionais sobre a liquidez.

Como estratégia, muitas instituições, motivadas pela necessidade de crescimento acelerado e de inovação, recorreram à alavancagem financeira. O que parecia uma escolha acertada em um contexto de juros baixos, se transformou em fonte de fragilidade no atual cenário, tendo em vista que o custo do capital atingiu níveis elevadíssimos, fazendo com que o retorno sobre os investimentos se tornem ainda mais incertos.

É um cenário desafiador, onde a gestão do fluxo de caixa deixa de ter qualquer característica, por ora pensada como imediatismo, e assume um protagonismo de estratégia cada vez mais relevante. Ela é o fôlego necessário para manter a operação saudável, atravessar períodos de baixa receita, sustentar investimentos e garantir a execução do planejamento estratégico.

As IES que por algum motivo, negligenciam a gestão de caixa correm o risco de comprometer não apenas sua estabilidade financeira, mas também sua capacidade de inovar, atrair talentos, investir em novas metodologias e manter a qualidade acadêmica.

Sob outra ótica, as instituições que tratam o caixa como ativo estratégico apresentam vantagens claras, onde há:

  • Maior capacidade de antecipar desequilíbrios financeiros e adotar medidas corretivas;
  • Flexibilidade para renegociar obrigações, ajustar investimentos e readequar planos de expansão;
  • Autonomia para inovar e se adaptar rapidamente às transformações do mercado educacional;
  • Redução da exposição ao risco financeiro em ambientes voláteis.

 

Algumas ações 

Com vistas a alcançar tal nível de maturidade, é indispensável uma abordagem estruturada, integrada e proativa, objetivando e conectando:

  • Projeções de fluxo de caixa realistas e atualizadas, com múltiplos cenários, que considerem as flutuações sazonais e os riscos de inadimplência.
  • Políticas rigorosas de gestão da inadimplência, essenciais para preservar a liquidez.
  • Gestão ativa do capital de giro, com atenção especial aos prazos de recebimento e pagamento;
  • Política bem estruturada, assertiva e aderente à estratégia da IES, de concessão de bolsas, descontos e financiamentos estudantis;
  • Planejamento estratégico de investimentos, que considere não apenas a atratividade do projeto, mas sua viabilidade financeira frente à capacidade de geração de caixa.
  • Administração criteriosa da dívida, com avaliação constante de prazos, custos e riscos associados.

É frente a todo este contexto que o papel do CFO nas IES assume um novo patamar, sendo cada vez mais estratégico para o negócio. Há muito, a figura do CFO deixou de ser voltada apenas para números, mas sim, cada vez mais são arquitetos da sustentabilidade institucional, construindo de maneira consistente e estruturada os alicerces para suportar todo o plano estratégico da IES. O fluxo de caixa precisa ser acompanhado, nutrido, cuidado, protegido e otimizado com o mesmo rigor e prioridade que se dedica à busca por novos alunos ou à inovação pedagógica.

Torna-se essencial que os CEOs, mantenedores e conselhos compreendam que não há estratégia viável sem um caixa saudável. O caixa, muitas vezes e erroneamente tratado como consequência, deve ser visto como pré-condição para qualquer movimento estratégico.

Em tempos de intensa transformação e incerteza, a vantagem competitiva não será de quem simplesmente crescer mais rápido, mas de quem transformar receita em caixa, caixa em capacidade de execução, e execução em perenidade.

Portanto, é hora de reposicionar o fluxo de caixa no centro da governança financeira das instituições de ensino superior. Porque, no fim do dia, é ele quem garante a continuidade, viabiliza a estratégia e protege o futuro.

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