Com escuta ativa, flexibilidade curricular e foco em impacto social, novos gestores reformulam práticas para sustentar o futuro do ensino superior no Brasil
O ensino superior brasileiro tem sido desafiado por mudanças que afetam sua estrutura e seu papel social. A popularização da inteligência artificial, o avanço da digitalização, o desinteresse crescente dos jovens por cursos longos e tradicionais, além da pressão por empregabilidade imediata, colocam as instituições diante de uma encruzilhada: ou se reinventam, ou perdem relevância.
Ao mesmo tempo, a urgência de formar profissionais qualificados permanece, e talvez nunca tenha sido tão crítica. Num país com enormes desigualdades e em constante busca por crescimento, o papel das universidades vai além da transmissão de conhecimento: é também formar cidadãos capazes de ler o mundo, propor soluções e construir pontes entre teoria e prática.
É nesse cenário que uma nova geração de gestores chega ao comando das IES. Com perfis diversos, esse grupo tem buscado aproximar as IES da realidade dos alunos, do mercado e da sociedade. Mais do que manter as engrenagens funcionando, sua missão parece a de questionar o modelo vigente, atualizar a linguagem e devolver à educação superior o fôlego – e o sentido – de que ela precisa para seguir adiante.
Os gestores ouvidos nesta reportagem compartilham o desafio de conduzir suas instituições em um momento de fortes transformações. Guilherme Martins, presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), aposta na articulação entre excelência acadêmica, inovação e impacto social. Paula Pontara, fundadora do Centro Universitário de Telêmaco Borba (Unifateb), defende uma gestão próxima dos estudantes para o fortalecimento institucional e com forte presença nas redes. Bárbara Costa, reitora da Universidade Brasil (UB), propõe uma liderança baseada em escuta ativa e reinvenção. Já o padre jesuíta Anderson Pedroso (PUC-Rio) combina uma visão de sustentabilidade com formação humanista e governança estratégica.
Todos eles reconhecem que o ensino superior brasileiro atravessa um momento inédito. Martins aponta a concentração de matrículas nas grandes redes, a estagnação dos cursos tradicionais e a alta evasão — que, segundo ele, chega a 65% em algumas instituições. Paula descreve o atual cenário como “um estado permanente de atenção”, especialmente para IES de pequeno e médio portes. Bárbara, por sua vez, fala em um “chamado à reinvenção”, com necessidade de oferecer percursos mais flexíveis e conectados ao mundo real. Pedroso ressalta que os desafios são múltiplos – financeiros, tecnológicos, culturais – e vê um descompasso entre a estrutura das universidades e o perfil dos estudantes. “A estrutura é do século 19, os professores foram formados no século 20, e os alunos são do 21”, resume.
As abordagens são distintas, mas o ponto em comum é a percepção de que o modelo atual já não dá conta de engajar os estudantes nem de responder às exigências do país. Para esses gestores, inovar passa por escutar, adaptar e, sobretudo, tornar a universidade uma experiência cada vez mais significativa.
Em seu segundo mandato como reitor da PUC-Rio, Pedroso define a palavra “governança” como eixo. Após realizar uma auditoria que identificou perdas acumuladas ao longo de uma década, a universidade adotou um plano estratégico com metas até 2030. Em menos de dois anos, conseguiu reverter parte do déficit e aumentar a reserva financeira.
Mas o foco vai além do equilíbrio das contas: “A governança tem de estar a serviço da formação. Investimos em IA, mas para tornar nossos alunos mais humanos. Queremos formar engenheiros que leem filosofia e sabem de arte”, afirma.
Na Universidade Brasil, Bárbara também aposta em um modelo que alia qualidade acadêmica, compromisso social e ampliação do acesso. Após a pandemia, a instituição revitalizou mais de 25 mil metros quadrados de infraestrutura, reativou núcleos práticos (como a Fazenda Experimental e o Necrim, unidade do Núcleo Especial Criminal) e lançou uma policlínica universitária credenciada ao SUS. A ideia é aproximar ainda mais o ensino das realidades locais e regionais.
“Inovar é um verbo – e verbo é ação, atitude”, resume Paula. Desde 2019, a Unifateb abandonou o formato tradicional de semestres e disciplinas isoladas para adotar uma estrutura curricular baseada em temas geradores e projetos integradores. A proposta permite que os estudantes vivenciem a prática desde o primeiro período, favorece o ingresso em diferentes momentos do ano e amplia a autonomia sobre a própria trajetória acadêmica. A evasão, segundo Paula, caiu após a mudança.
No Insper, a inovação é um processo contínuo e estratégico. A instituição criou uma Comunidade de Práticas em IA, lançou cursos gratuitos em parceria com empresas como a AWS (provedora de serviços de computação em nuvem) e mantém conselhos consultivos em todos os centros de conhecimento, com participação de lideranças do setor público e privado. “Inovar é criar valor para a sociedade a partir do conhecimento”, afirma Martins.
No cenário atual, termos como flexibilidade, propósito, impacto e personalização deixam de ser tendências e passam a ocupar o centro das estratégias institucionais. Quando projetam os próximos anos, os gestores traçam um diagnóstico realista e apontam caminhos possíveis (e urgentes) para que o ensino superior não perca relevância.
Para Martins, a próxima década deve ser marcada por mais diversidade, flexibilidade e conexão com os grandes desafios da sociedade. Ele acredita que as instituições precisam se posicionar como plataformas de desenvolvimento, ciência aplicada e transformação social. “O futuro da educação superior não será construído de maneira passiva. Requer movimentos intencionais, ousadia e, acima de tudo, ação”, afirma. Na visão dele, dados, personalização e internacionalização estarão no centro das estratégias mais consistentes.
Na mesma linha, Bárbara espera que a educação superior brasileira tenha coragem para enfrentar seus nós estruturais. “O maior des afio será combater a desigualdade de acesso com qualidade. A oportunidade está na combinação entre tecnologia, inclusão e inovação social”, resume. Ela defende políticas públicas mais consistentes e alianças entre setores como formas de sustentar esse movimento.
Pedroso reforça que o maior desafio é responder às transformações culturais e organizacionais que atravessam a sociedade. Para ele, a missão das instituições passa por formar pessoas de maneira integral, com base em valores humanistas e visão interdisciplinar. “Queremos que caiam os muros acadêmicos e formem profissionais com repertório amplo, que sejam capazes de navegar entre diferentes saberes.”
Já Paula acredita que o tempo das instituições que operam no piloto automático está terminando. Para ela, o ensino superior brasileiro vive um momento de triagem — e só sobreviverão as instituições que conseguirem entregar impacto e transformação real. “O consumidor de educação mudou. Está mais crítico, informado e consciente do que tem valor. Quem entrega qualidade conquista espaço”, diz.
Os gestores desta nova geração têm colocado para si o desafio de reimaginar o ensino superior — por dentro e por fora. Martins resume bem o espírito do tempo ao afirmar que “não fazer nada diante desse cenário de transformação acelerada é, talvez, a decisão mais arriscada que uma IES pode tomar”. Paula vai na mesma direção e diz que “o consumidor de educação mudou, e quem não entregar relevância ficará para trás”. Pedroso afirma que “estamos numa mudança de época. E a tradição da universidade é justamente se transformar”. Por fim, para Bárbara, a resposta passa por uma educação com propósito: “O que forma profissionais preparados não é apenas o conteúdo, mas a capacidade de se conectar com o mundo, com as pessoas e com os desafios do nosso tempo”.
O que esses líderes parecem propor não é uma ruptura com a história, mas a construção de um novo ciclo. Um ensino superior mais fluido, atento, corajoso e, sobretudo, capaz de continuar formando pessoas e transformando realidades.
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