Propósito e sentido para a vida de jovens universitários

O ensino superior deve funcionar como bússola ética e intelectual, que ajude os estudantes a encontrar propósitos que sirvam de suporte de vida

O mês de julho impõe aos gestores o compromisso com o fechamento de um semestre e abertura de um novo. Notas, avaliação docente, planos de ensino, projetos diversos nos ocupam quase que o tempo todo. Afinal, a busca da excelência acadêmica consome muita energia. O balanço daquilo que fizemos quase sempre acaba nos colocando num lugar de desconforto porque, em educação, sempre é possível e necessário fazer mais. Entre tantos dados e relatórios me chama a atenção os nossos resultados do Serviço de Atendimento Psicopedagógico (SAP). Tantos alunos precisam de atendimento especializado para conseguirem finalizar o semestre. Isso demanda muitos atendimentos dos estudantes, mas também demanda orientação de coordenadores e especialmente de docentes.

Apesar de frequentes, os problemas relacionados à aprendizagem de jovens universitários parecem de mais fácil solução quando os comparamos àqueles relacionados à saúde mental. À primeira vista, lidar com dificuldades de aprendizagem exige, sobretudo, ajustes metodológicos: rever estratégias de aula, diversificar recursos didáticos, ofertar monitorias e recuperar pré-requisitos. Na maior parte das vezes, a resposta é técnica, ainda que trabalhosa. Já as questões de saúde mental introduzem uma variável existencial que escapa ao mero domínio pedagógico. Ansiedade generalizada, depressão, síndrome de burnout acadêmico e ideação suicida não se resolvem com um novo cronograma de estudos; exigem um conjunto de cuidados que envolve toda a comunidade universitária.

Jonathan Haidt, professor da New York University, em seu livro Geração Ansiosa - Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais mostra como, a partir de 2012, curvas estatísticas de depressão, ansiedade, automutilação e suicídio entre adolescentes subiram de forma sincronizada em diversos países ocidentais. Embora seu enfoque seja mais voltado às influências do uso de tecnologia, valem todas as reflexões feitas. Entendo que não se trate de um problema facilmente explicável e tampouco explicado por um único fator. Fatores genéticos e socioeconômicos devem ser considerados e ainda um outro ponto deve nos levar à reflexão: a ausência de um propósito existencial como elemento catalisador de desconfortos como ansiedade, depressão e ideação suicida.

Propósito existencial? Sentido de vida? O psicólogo Viktor Frankl abordava esses temas desde a publicação de Man’s Search for Meaning, em 1963. Afirmava que a busca de sentido é a necessidade primária do ser humano. Quando fez esta afirmação talvez não imaginasse quão profética seria sua intuição em um século marcado por hiperconectividade, volatilidade do trabalho e crises planetárias simultâneas. Hoje, desafiar os jovens a nomearem um “para quê” tangível tornou-se, paradoxalmente, muito mais difícil, e mais urgente. Parece que conforme o tempo passa, encontramos mais dificuldades em termos experiências profundas de autoconhecimento, que favoreçam saber quem somos e quais os motivos que nos levam a ser o que somos, e como somos. A ausência de espaços seguros para reflexão crítica sobre valores, expectativas e projetos de futuro intensifica o risco de surgimento de um vazio existencial, pautado pela sensação de falta de direção e significado.

Vários vetores contemporâneos conspiram para fragmentar a construção de propósito. Primeiro, a hipercultura digital alimenta o chamado “paradoxo da escolha”: a multiplicação de caminhos acadêmicos, profissionais e afetivos, longe de libertar, tende a paralisar. Estudantes relatam angústia permanente de não escolher “a melhor opção”, fenômeno intensificado por algoritmos que exibem, em tempo real, vitrines de vidas alheias supostamente lineares e bem-sucedidas. Em segundo lugar, o discurso meritocrático ganha contornos tóxicos quando vincula valor pessoal a métricas de performance, gerando perfeccionismo e medo de fracassar.

Terceiro, a precariedade socioeconômica, marcada por empregos intermitentes, corrói a crença num futuro estável, empurrando projetos de vida para a lógica do “sobreviver hoje”. Some-se a isso a sensação de que o planeta não oferece garantias de continuidade, e uma identidade cada vez mais fluida, em que múltiplos papéis coexistem sem hierarquia clara. O resultado é a experiência do “futuro colapsado”: o horizonte se encurta ao ponto de os sonhos se tornarem inviáveis antes mesmo de serem gestados.

Nessa travessia dos estudantes, o ensino superior deveria funcionar como bússola ética e intelectual, que os ajude a encontrar propósitos que sirvam de suporte de vida. Cada aula ministrada deveria ser, potencialmente, um ato de mediação de significado: explicitar o valor social de um conceito, ligar teoria a problemas concretos, encorajar narrativas de futuro. Oferecer escuta qualificada, feedback formativo e itinerários de desenvolvimento ampliam a percepção de utilidade e de pertencimento dos estudantes.

Esse trabalho não está restrito às aulas, depende de gestores educacionais que não releguem a temática do propósito ao terreno do “intangível”. Políticas curriculares que incluam o trabalho com projeto de vida operam como tecido institucional que valida a busca de sentido. A integração de indicadores de propósito e bem-estar em painéis de gestão acadêmica, como temos na Belas Artes hoje, permite decisões baseadas em evidências: cruzar níveis de engajamento existencial com taxas de evasão, desempenho e uso de serviços de apoio oferece pistas claras de onde intervir antes que crises se tornem irreversíveis.

Que esse marco do ano seja um interstício fecundo entre balanço e recomeço. Que ele nos sirva não só para revisar planos de ensino, mas para repactuar nossa missão institucional, ou seja, não graduar meros técnicos, e sim cidadãos capazes de contribuir para um mundo em transformação, sustentados por saúde mental robusta e senso claro de propósito. Se a universidade se constitui como espaço de criação de saberes, também deve ser espaço de criação de sentido. Essa é, talvez, a face mais exigente, e mais nobre, da excelência acadêmica que buscamos. 

Saiba mais em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/07/28/proposito-e-sentido-para-a-vida-de-jovens-universitarios/

Copyright © Direitos Reservados por Learnbase Gestão e Consultoria Educacional S.A.