Após anos de expansão acelerada e de críticas quanto à qualidade e fiscalização dos cursos, o Ministério da Educação (MEC) buscou, com a nova política, equilibrar a democratização do acesso com a garantia de padrões mínimos de qualidade acadêmica.
A publicação do Decreto nº 12.456, em maio deste ano, representa um redesenho do ensino a distância (EAD) no Brasil. Entre os aspectos positivos, a preocupação com definições claras. O decreto pacifica o entendimento do que se considera atividade presencial e a distância, bem como as distinções entre atividades síncronas, síncronas mediadas e assíncronas. Esse detalhamento reduz margens de interpretação, promove homogeneidade e fortalece a segurança jurídica para instituições e estudantes.
Outra mudança importante é a definição de formatos de oferta: presencial, semipresencial e a distância. Para cada formato, há o estabelecimento de percentual mínimo de atividades presenciais e síncronas mediadas na composição das cargas horárias dos cursos, trazendo variações de acordo com a área de classificação pela CINE Brasil. Com isso, os projetos pedagógicos podem ser adequados de forma mais precisa, evitando inconsistências.
O decreto também estabelece de forma inequívoca a obrigatoriedade de avaliações presenciais em todas as unidades curriculares, o que é relevante, pois a avaliação presencial é um marco essencial para o próprio aluno aferir sua aprendizagem. No marco regulatório anterior, não ficava totalmente clara a obrigatoriedade de avaliações presenciais: algumas instituições as incluíam em seus projetos pedagógicos, outras não; e, nas visitas in loco, avaliadores frequentemente exigiam essa prática, gerando divergências.
Outro ponto notável é o fortalecimento dos polos, que passam a ser reconhecidos como unidades centrais do processo formativo, com infraestrutura mínima obrigatória e maior carga de atividades presenciais. Esse movimento tende a ampliar o senso de pertencimento dos alunos e promover a integração regional, valorizando o papel do EAD no desenvolvimento local.
Merece destaque a introdução do mediador pedagógico. Embora herde parte das atribuições do tutor, a nova denominação já carrega consigo o que mais se espera desse ator a partir de agora: a efetiva mediação nas relações de ensino-aprendizagem. O novo papel busca reduzir a experiência solitária do estudante em cursos a distância, estimulando interações mais ricas e colaborativas.
Apesar dos avanços, o novo marco apresenta desafios que exigem reflexão para que a melhoria da qualidade não resulte em exclusão de pessoas e territórios.
Um ponto crítico é a elevada exigência de carga horária presencial ou síncrona mediada em alguns cursos. Embora indispensável em áreas como saúde, engenharias e educação, percentuais excessivos podem comprometer a flexibilidade característica do EAD. Ademais, a construção de bases teóricas sólidas pode ser realizada com atividades assíncronas bem planejadas, e muitas práticas podem ser viabilizadas a distância sem prejuízo formativo.
Outro entrave é a política referente aos polos. A exigência de infraestrutura robusta, aliada à proibição de compartilhamento entre instituições, tende a inviabilizar polos em regiões de baixa densidade populacional. Nessas localidades, o compartilhamento permitiria viabilizar investimentos e ampliar a oferta. Durante a avaliação in loco, bastaria usar dados do censo ou outros que mostrem a quantidade total de alunos do local para análise da adequação. A identificação visual deve ser clara, mas isso é plenamente viável e, inclusive, de interesse das próprias instituições. Em tempos de práticas sustentáveis, como coworkings, bibliotecas abertas e mobilidade compartilhada, a vedação do uso conjunto de polos parece destoar de uma lógica de racionalização de recursos.
Ao proibir a oferta de alguns cursos no formato a distância ou semipresencial, como é o caso da enfermagem, o novo marco regulatório acaba por discriminar os atuais estudantes, além de trazer grandes prejuízos a instituições sérias que realizaram sólidos investimentos em infraestrutura de polos que já não poderão mais matricular novos alunos.
Ao combinar a redução drástica do número de polos, a elevação da carga horária presencial e a exclusão de cursos do formato a distância, o novo marco pode levar a um apagão em determinadas profissões. As áreas mais afetadas tendem a ser educação, saúde e engenharias – setores já carentes de profissionais em várias regiões. O Brasil está preparado para esse impacto?
O novo marco regulatório ainda está em fase de implementação e ajustes. É essencial que o debate público se mantenha aberto, plural e baseado em evidências. O ensino a distância não deve ser visto como modalidade inferior, mas como instrumento estratégico para a democratização do ensino superior.
Para o futuro, será decisivo que o MEC realize revisões periódicas do decreto, considerando impactos reais, escuta ativa da comunidade acadêmica e especificidades regionais. Reavaliar temas como o compartilhamento de polos, a flexibilização de cargas horárias e a retomada da oferta em áreas estratégicas pode ser fundamental para consolidar a educação superior como motor de inclusão e desenvolvimento no Brasil.
Saiba mais em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/08/28/novo-marco-regulatorio-balanco-e-perspectivas-para-o-ensino-superior/