Embora haja consenso sobre a importância das metodologias ativas, que propõem um novo papel ao professor como mediador e criador de experiências de aprendizagem, implementar o ensino por competências no lugar de um currículo extenso e detalhado ainda é um processo desafiador. Trata-se de uma reforma que exige planejamento, diálogo e persistência, em andamento, com ritmos diferentes, em vários países da região.
Na Conferência Internacional PBL 2025, realizada no final de outubro na PUC Minas, em Belo Horizonte (MG), a mesa “Metodologias ativas e desenvolvimento profissional docente na América Latina” apresentou um panorama de iniciativas na Colômbia, no Peru e no Uruguai. Mediado pela professora Valeria Arantes, da USP (Universidade de São Paulo), o debate destacou que, apesar da presença do tema em documentos oficiais e programas de formação, esses países ainda enfrentam dificuldades para integrá-lo de forma efetiva às políticas educacionais.
Três pontos centrais chamaram a atenção nas discussões: a formação docente como processo humano, que valoriza o bem-estar e o propósito; a transformação da cultura institucional, que vai além do currículo; e o compromisso ético das metodologias ativas, voltadas à autonomia e à cidadania.
Confira abaixo um destaque do momento de cada país:
Com ampla experiência na educação básica e superior, da sala de aula à elaboração de currículos nacionais no Peru, a consultora educacional Lea Sulmont trouxe uma visão prática e sensível sobre como formar professores. Atualmente, além de atuar na formação inicial docente, ela segue colaborando com políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade educacional no país.
Para Lea, o primeiro pilar é cuidar da equipe. Ela defende que a docência começa pelo cuidado com o ser humano que ensina. Após a pandemia, essa questão ganhou ainda mais relevância. “Hoje, mais do que nunca, é essencial cuidar do aspecto humano e emocional”, afirma. Em suas práticas formativas, inclui atividades como yoga, consciência corporal e escuta ativa, especialmente com professores da educação infantil.
O segundo pilar é o desenvolvimento de competências digitais. Segundo ela, a tecnologia deve ser usada desde cedo na formação docente, de forma crítica e criativa. “Criar redes de aprendizagem, experimentar ferramentas e trabalhar de forma colaborativa são práticas fundamentais para preparar o professor do presente e do futuro.”
Em suas formações, especialmente com professoras da educação infantil, Lea propõe práticas como yoga, consciência corporal e escuta ativa, criando espaços de acolhimento e resgate do propósito profissional.
Luis Bretel, ex-vice-ministro da Educação do Peru e diretor do Instituto Internacional para una Educación de Calidad, trouxe uma contribuição enfática: não há transformação na prática docente sem mudança institucional real. Segundo ele, insistir apenas na formação individual de professores é insuficiente.
“Muitos educadores se capacitam, experimentam novas metodologias, mas voltam a instituições engessadas, sem espaços de troca, sem apoio da gestão e, muitas vezes, sem condições materiais para implementar o que aprenderam.”
Para Luís, a formação docente precisa ser contínua, situada e conectada à prática. Ele defende políticas públicas articuladas, redes de apoio e uma visão de formação que parta dos desafios vividos nas escolas.
“Aprendemos melhor quando enfrentamos problemas concretos. A formação precisa partir da escuta ativa do professor e da vivência do cotidiano escolar.”
Além disso, reforça que a adoção de metodologias ativas exige trabalho coletivo e articulação entre instituições. A transformação educacional, segundo ele, não virá de ações isoladas, mas da construção de alianças duradouras entre escolas, universidades, redes e governos.
“Não podemos continuar tratando a formação docente como responsabilidade exclusiva dos professores. Precisamos de políticas integradas e investimento sério na valorização da profissão.”
Ele também compartilhou a experiência do Currículo Nacional da Educação Básica do Peru, implementado em 2016, do qual foi um dos principais articuladores. O documento propõe o desenvolvimento de 31 competências (cognitivas, sociais, emocionais e éticas) organizadas em áreas como comunicação, matemática, ciência e cidadania, além de competências transversais como pensamento crítico, empatia e colaboração.
Em uma oficina realizada recentemente em uma comunidade rural dos Andes, ele convidou estudantes de origem quéchua, povo indígena de origem do Equador e Colômbia, a apontar o que não gostavam em sua escola e a escolher, juntos, um problema para resolver. O resultado surpreendeu os próprios docentes: os estudantes se engajaram, propuseram soluções e definiram o tema de seus primeiros projetos. “Se não há problema real, não há desenvolvimento de competências. E se o professor ensina passo a passo o que fazer, não está formando: está adestrando.”
Por isso, Bretel considera que as metodologias ativas deixaram de ser uma escolha: são a única via possível para desenvolver competências. O próprio currículo peruano, em suas orientações pedagógicas, recomenda práticas como aprendizagem baseada em projetos, problemas, estudos de caso e investigação.
Em uma participação online diretamente do Uruguai, a educadora e doutora em educação Rosina Pérez apresentou uma análise sobre o processo de implementação das metodologias ativas e do currículo por competências em seu país. Com mais de 30 anos de experiência como professora da educação básica, atuação universitária e consultorias para organismos internacionais como a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Rosina tratou dos avanços e contradições que marcam a realidade uruguaia.
Desde 2022, o país iniciou uma profunda reforma curricular, substituindo o modelo baseado em conteúdos por um marco curricular por competências. Com isso, as metodologias ativas passaram a ser prescritas oficialmente como diretriz obrigatória nas instituições de ensino.
“As metodologias ativas deixaram de ser uma opção e passaram a fazer parte do DNA curricular. Mas o currículo, por si só, não move a escola”, afirmou.
Segundo Rosina, o Uruguai tem uma vantagem importante em relação a outros países da região: já possuía infraestrutura tecnológica sólida antes da pandemia, graças ao programa Ceibal, referência em inclusão digital na América Latina. Isso permitiu uma transição rápida para o ensino remoto durante a crise sanitária e o período de isolamento social.
“Nós já estávamos preparados. Tínhamos as plataformas, os recursos… Mas mesmo assim, houve uma enorme resistência. Lembro de ver escolas onde o computador era usado apenas como suporte para o vaso da planta.”
Ela destacou que, apesar de haver uma grande oferta de formações docentes, muitas com uso de inteligência artificial e tutoria, o impacto real dessas iniciativas foi limitado. “Mais cursos não significam, necessariamente, mais inovação.”
A resistência, segundo Rosina, é mais cultural e ideológica do que técnica. Mesmo com dados robustos sobre formação docente (25% dos professores formados com apoio do Ceibal; 15% em cursos específicos de metodologias ativas), as crenças conservadoras dentro das instituições continuam bloqueando a transformação real. “Sem liderança distribuída e cultura de colaboração, o professor continua atuando como uma ilha. As inovações não se decretam, elas se aprendem.”
Rosina também mencionou o contexto político recente, marcado por uma troca de governo em março de 2025. A nova gestão, de linha oposta à anterior, sinaliza mudanças na condução da política curricular. Há pressão de setores como sindicatos e assembleias técnico-docentes para revogar a reforma por competências e retomar a estrutura anterior de 2006.
Uma das propostas em debate atualmente é permitir que as escolas escolham entre trabalhar com currículo por competências ou por conteúdos, algo que Rosina avalia com preocupação.
“Isso pode gerar muito caos. Como garantir coerência e equidade num sistema em que cada escola ou docente adota o currículo que quiser?” Apesar disso, ela reconhece que o Uruguai ainda é um país que valoriza historicamente a educação pública como um bem coletivo e um símbolo de igualdade social, embora essa confiança esteja se desgastando nos últimos anos. “É uma pena. Perdemos muito da confiança na escola pública nos últimos 20 anos, e isso dificulta o avanço de qualquer política transformadora.”
O professor Carlos Vega, da Universidade Autônoma do Ocidente, contextualizou a estrutura educacional colombiana e explicou como a adoção de metodologias ativas está profundamente ligada a regimes legais, trajetórias profissionais e políticas de qualificação. “Para entender como os professores se apropriam das metodologias ativas, é preciso compreender antes o contexto em que se formam.”
Desde a promulgação da Lei Geral da Educação em 1994, a Colômbia opera com três subsistemas educacionais: educação formal, educação para o trabalho e desenvolvimento humano (coordenada pelo Ministério do Trabalho) e educação informal (realizada por empresas, sem titulação).
Com a criação do Marco Nacional de Qualificações em 2021, o país deu um passo importante rumo à integração desses sistemas, buscando valorizar experiências prévias e promover a mobilidade entre diferentes formas de formação. “Com esse novo marco, um profissional experiente, mas sem diploma formal, pode ter seus saberes reconhecidos e validar etapas da formação, reduzindo desigualdades históricas.”
Carlos destacou que esse avanço afeta diretamente a formação de professores, especialmente na educação básica. O país conta hoje com dois regimes docentes: o antigo, de 1979, e o mais recente, de 2002, que permite que profissionais não licenciados, como engenheiros ou comunicadores, tornem-se professores mediante provas e programas de formação mais curtos.
“Isso significa que muitos docentes chegam à sala de aula sem formação pedagógica completa. E a forma como se apropriam das metodologias ativas depende, muitas vezes, da estrutura de avaliação e exigências legais às quais estão submetidos.” Para Carlos, a implementação das metodologias ativas na Colômbia não pode ser entendida apenas como uma decisão pedagógica, mas como um reflexo das políticas públicas e das formas como o país reconhece (ou não) as diversas trajetórias de formação.
Diante da pergunta sobre como avaliam o desenvolvimento de estudantes segundo matrizes de competências, Lea, do Peru, destacou o uso do portfólio de aprendizagem digital como instrumento transversal e formativo desde o início da formação docente. Segundo ela, esse recurso promove autonomia, autorreflexão e responsabilidade digital, permitindo que os estudantes escolham e relacionem evidências ao desenvolvimento de competências ao longo do curso. Além de favorecer a gestão autônoma do aprendizado, o portfólio se torna uma ferramenta relevante de empregabilidade.
Naquele país, o currículo para a educação básica organiza as competências em sete níveis de desempenho e a avaliação deve ser formativa (ou seja, um tipo de avaliação contínua que serve para acompanhar o processo de aprendizagem, oferecendo feedbacks e orientações para que o estudante avance, em vez de apenas medir resultados ou definir aprovação). O processo ideal envolve evidências práticas e projetos contextualizados, nos quais os estudantes demonstram o que sabem fazer em relação aos padrões esperados.
Porém, na prática, muitas escolas ainda mantêm avaliações tradicionais (provas, notas e médias). O avanço requer paciência, persuasão e legitimidade por parte dos formadores: é necessário que quem orienta essas práticas tenha vivenciado metodologias ativas para convencer outros docentes de sua viabilidade, transformando a avaliação em um processo mais autêntico e significativo.
Ao final da sessão, a professora Valéria Arantes, diretora do Núcleo de Pesquisas em Novas Arquiteturas Pedagógicas da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), reforçou três pontos a respeito dessa jornada latino americana rumo às metodologias ativas:
Primeiramente, foi retomada a fala da professora Lea, do Peru, que defendeu uma formação docente humana e integral, destacando a importância do autocuidado para fortalecer a saúde emocional, a autoestima e o propósito do educador, já que a docência é, sobretudo, uma prática relacional.
Em seguida, com base no exemplo do Uruguai, ressaltou-se que a mudança curricular, por si só, não basta: é preciso transformar a cultura institucional de escolas e universidades, criando espaços de apoio, reflexão e experimentação. Por fim, o professor Carlos afirmou que, na Colômbia, a adoção de metodologias ativas representa um compromisso ético e social, ao promover a autonomia, a cidadania e a transformação consciente da sociedade.
“Esses três eixos, o humano, o institucional e o ético, me parecem fundamentais para pensar a formação de professores na América Latina. Somos uma região de contrastes, mas também de uma riqueza imensa em experiências, saberes e criatividade”, concluiu.
Saiba mais em: https://porvir.org/paises-latino-americanos-formando-metodologias-ativas/
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