MEC ouve 2,3 milhões de adolescentes para repensar a escola

Iniciativa inédita, que contou com apoio técnico do Porvir, revelou percepções e desejos de estudantes dos anos finais do ensino fundamental sobre currículo, inovação, convivência e participação

O que os adolescentes pensam sobre a escola e como querem aprender? As respostas de 2,3 milhões de estudantes dos anos finais do ensino fundamental de todo o Brasil, coletadas durante a Semana da Escuta das Adolescências nas Escolas, já estão apoiando a implementação do Programa Escola das Adolescências, uma política pública voltada especificamente para essa etapa, que está sendo estruturada desde o início de maio de 2024.

O resultado dessa escuta foi lançado nesta terça-feira (9) em Brasília, no “Seminário nacional dos anos finais do ensino fundamental: transições, trajetórias escolares e a garantia do direito à aprendizagem”, no Auditório do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília.  “A escola das adolescências nasce com uma proposta clara: ser uma escola dos adolescentes e para os adolescentes”, afirma Stael Borges Campos, consultora especialista na Coordenação-Geral de Ensino Fundamental do MEC (Ministério da Educação). Para ela, a presença dos jovens no lançamento é fundamental para mostrar os resultados da semana da escuta e a importância de levar em consideração o que eles dizem. Stael destaca ainda que não se trata apenas de pedidos de infraestrutura, mas de mudanças simples que dependem mais de coordenação e vontade de fazer diferente do que de recursos.

A iniciativa inédita do MEC, em parceria com o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), mobilizou mais de 21 mil escolas públicas e envolveu adolescentes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental em todos os estados brasileiros – o que representa um em cada quatro estudantes matriculados nessa etapa. O processo contou ainda com o apoio técnico do Porvir, responsável pelas estratégias de comunicação da iniciativa e pela produção do relatório com os resultados da escuta. Também foram parceiros da mobilização a Recos (Rede Conhecimento Social) e o Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional). “As vozes dos 2,3 milhões de participantes da escuta trazem caminhos para uma escola que não é apenas para os adolescentes, mas que pode ser construída com a participação ativa deles”, complementa Tatiana Klix, diretora do Porvir, que participou da mesa “A escuta na construção de uma escola feita para e com adolescentes”, ao lado de três estudantes dos anos finais do ensino fundamental.

Como foi a escuta

O levantamento nacional ocorreu entre 13 e 31 de maio de 2024. Já no Rio Grande do Sul, devido às enchentes que assolaram o estado, a iniciativa foi realizada em outubro, com um questionário adaptado para incluir reflexões sobre a emergência climática.

O objetivo central foi compreender como os adolescentes percebem a escola, suas aprendizagens, o clima e as oportunidades de participação. Para isso, a pesquisa foi organizada em quatro grandes eixos: currículo, inovação, convivência e participação. Soma-se ao caso gaúcho o papel da escola diante da catástrofe causada pelas chuvas. Para engajar os estudantes na Semana da Escuta das Adolescências, foram usados dois tipos de instrumento, um qualitativo e outro quantitativo. O primeiro, mediado por professores, estimulava que os adolescentes se expressassem sobre suas escolas por meio de dinâmicas coletivas, como rodas de conversa, produção de cartas, desenhos e fotografias dos espaços escolares. O segundo, cujos resultados foram apresentados agora, eram questionários disponíveis online respondidos de forma autônoma e anônima, com 13 perguntas distribuídas em oito blocos temáticos, adaptados para estudantes do 6º/7º anos e do 8º/9º anos. Como referência e inspiração para a construção desses materiais, a equipe tomou como base instrumentos de escuta aplicados anteriormente com adolescentes, como a pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, promovida por Porvir e Rede Conhecimento Social entre 2016 e 2019. Após a mobilização, escolas, municípios e estados que alcançaram uma quantidade representativa de estudantes receberam relatórios específicos com os resultados de seus estudantes. “Esse desenho metodológico garantiu que os estudantes tivessem espaços para realizar trocas e também a sistematização de suas percepções para serem usadas na reflexão e no planejamento de novas práticas em suas escolas”, explica Tatiana. 

Principais percepções sobre a escola atual

A sistematização dos resultados em todo o Brasil mostra que os adolescentes mais novos avaliam a escola de forma mais positiva. Em relação ao aprendizado, 67% dos estudantes dos 6º e 7º anos afirmam que a escola apoia seu desenvolvimento intelectual e pessoal, enquanto 28% consideram a contribuição parcial (“mais ou menos”) e 4% discordam. Já entre os alunos dos 8º e 9º anos, 59% concordam, 33% avaliam como “mais ou menos” e 8% discordam. 

A mesma tendência se repete quando falam sobre as relações que acontecem na escola: 58% dos estudantes dos 6º e 7º anos disseram sentir-se acolhidos por adultos, enquanto entre os do 8º e 9º anos esse índice cai para 44%. De maneira geral, apenas 50% dos adolescentes afirmaram sentir-se acolhidos na escola, apesar de 80% relatarem ter amizades significativas no ambiente escolar. Um dado preocupante, porém, foi a baixa concordância com a frase “os estudantes respeitam e valorizam os professores”, que teve apenas 39% de aprovação entre os alunos do 6º e 7º anos e 26% entre os do 8º e 9º anos, revelando fragilidades na relação entre jovens e corpo docente. Cerca de 50% dos estudantes, em todas as faixas etárias, concordam que as famílias participam e acompanham as atividades escolares. Já em relação à liberdade de expressão, apenas 30% dos adolescentes afirmam conseguir se expressar livremente na escola.

Quais os anseios?

Quando pensam na escola que gostariam de ter, as disciplinas tradicionais seguem centrais: 48% dos estudantes do 6º e 7º anos e 38% do 8º e 9º anos apontaram Português, Matemática e Ciências como fundamentais. Mas a pesquisa também mostra que eles têm interesses por outros aprendizados. A categoria “corpo e socioemocional”, que abrange temas como esportes, bem-estar, autoconhecimento, autocuidado e saúde mental, foi escolhida por 31% dos respondentes dos 6º e 7º anos e por 29% dos do 8º e do 9º anos. 

Além disso, os dados revelam demandas específicas de grupos de estudantes. Em escolas com maior presença de alunos negros, por exemplo, o interesse em aprender sobre direitos e combate à discriminação chegou a 22%, evidenciando a importância de temas que dialoguem com suas vivências. Já em relação à convivência, 42% dos adolescentes destacaram a necessidade de ações de prevenção ao bullying, ao racismo e à violência, mostrando que o bem-estar e a segurança também estão entre os anseios dessa geração. Esse interesse aparece com mais destaque entre os estudantes mais novos: 34% dos que cursam 6º e 7º anos consideram essas ações importantes, proporção que chega a 30% entre os adolescentes do 8º e 9º anos.

Além dos muros

A escuta também revelou que adolescentes desejam uma escola aberta, que promova interações para além de seus muros, sobretudo entre os mais velhos: 45% dos alunos dos 8º e 9º anos destacaram visitas, passeios e trabalhos externos como uma forma de aprender que os faria aprender mais, contra 39% dos do 6º e 7º anos; já a interação com a comunidade aparece com 13% em ambos os grupos. As trocas e debates se sobressaem entre os mais novos, com 35% optando por trabalhos em grupo e 30% por rodas de conversa, enquanto nos anos finais esses índices caem para 30% e 20%, respectivamente.

“Fica evidente, pela pesquisa, que apenas o ambiente escolar não consegue responder a todas as demandas dos estudantes nessa fase de transição entre a infância e a juventude. A escola precisa dar oportunidades para os adolescentes se conectarem com o que está fora dela”, diz Tatiana.

Quando pensam em como melhorar a convivência, jogos e competições foram lembrados por quase metade dos adolescentes: 48% (6º e 8º anos) e 46% (7º e 8º anos). E, quando imaginam a escola do futuro, o esporte aparece novamente como prioridade: quatro em cada dez estudantes (40%) apontaram a prática esportiva e bem-estar como conteúdos indispensáveis. Entre os mais jovens, dos 6º e 7º anos, 37% também destacaram a importância de atividades práticas e 34% citaram ciência e tecnologia como prioridades para a escola do futuro. Já entre os alunos do 8º e 9º anos, a preferência foi por metodologias que favorecem a interação além dos muros escolares, como visitas e passeios (45%).

Emergência climática

Os adolescentes gaúchos apontaram como prioridades as ações de apoio e fortalecimento emocional e o reforço escolar para garantir o aprendizado previsto nos planos de ensino, sem que as interrupções no calendário comprometessem seu desenvolvimento. Essas preocupações ficaram evidentes quando responderam o que as escolas poderiam fazer após as enchentes no Rio Grande do Sul. Tanto nos 6º e 7º anos quanto nos 8º e 9º anos, as preferências foram semelhantes, com pequenas variações: o apoio emocional foi citado por 45% do primeiro grupo e por 44% do segundo, enquanto as atividades extras de ensino apareceram como prioridade para 41% e 37%, respectivamente.

Leituras diversificadas

A escuta permite ainda identificar como a percepção dos estudantes varia de acordo com raça/cor, localização da escola, deficiência e situação de vulnerabilidade. A iniciativa foi bastante inclusiva: 25% dos estudantes de escolas urbanas e rurais participaram, com mais de 300 mil de áreas rurais; 250 mil de municípios com até 10 mil habitantes; 1,6 milhão de adolescentes que frequentam escolas cujos estudantes são majoritariamente negros; 430 mil estudantes de escolas com alta vulnerabilidade (segundo o Indicador de Nível Socioeconômico do Inep); e grupos diversos como 1,2 milhão pardos, 260 mil pretos, 60 mil indígenas e 125 mil com deficiência. 

“A pesquisa traz dados que podem inspirar leituras diversificadas e permitem entender a vivência de adolescentes em diferentes contextos, sendo um instrumento importante para tornar a escola um espaço mais atrativo, participativo e significativo para todas as adolescências”, conclui Tatiana.

Saiba mais em: https://porvir.org/relatorio-escuta-das-adolescencias/

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